Volkswagen reconhece envolvimento com a ditadura militar no Brasil

Fabricante alemã também anunciou um ''pacote de medidas de responsabilidade social''
Acima a unidade Anchieta, sede da Volkswagen do Brasil

Acima a unidade Anchieta, sede da Volkswagen do Brasil | Imagem: Divulgação

A Volkswagen divulgou nesta quinta-feira (14) um relatório produzido pela própria empresa no qual é tornado público o envolvimento da fabricante com ditadura militar brasileira no período de 1964 a 1985. O estudo conclui que "houve cooperação entre indivíduos da segurança interna da Volkswagen do Brasil e o regime militar vigente, mas não foram encontradas evidências claras de que a cooperação era institucionalizada na empresa”, informa o material assinado pelo Professor Doutor Christopher Kopper, da Universidade de Bielefeld, que foi contratado pela matriz alemã da empresa para conduzir os estudos.

O estudo contratado pela matriz da Volkswagen, na Alemanha, foi produzido após instauração de inquérito civil pelo Ministério Público Federal (MPF) para apurar a responsabilidade da montadora em “graves violações de direitos humanos”. A investigação foi iniciada após representação assinada pelas centrais sindicais brasileiras, sindicatos e ex-trabalhadores da empresa, em setembro de 2015. O pedido foi feito a partir das conclusões da Comissão Nacional da Verdade, que apontam a colaboração da empresa com a repressão, além de discriminar trabalhadores com atuação sindical.

Entre as condutas da empresa investigadas estão, por exemplo, permitir a prisão de funcionários no interior de suas unidades; de perseguir trabalhadores por atuação política e sindical, criando “listas negras” para impedir contratação desses profissionais; produzir informações para encaminhamento aos órgãos de repressão; colaborar financeiramente com o regime; e permitir práticas de tortura na sede da montadora.

Atuação de diretor

O relatório aponta que a colaboração se deu, sobretudo, pela atuação do chefe de departamento de segurança industrial, Ademar Rudge, que “agia por iniciativa própria, mas com o conhecimento tácito da diretoria”. Segundo o documento, essa colaboração ocorreu de 1969 a 1979. Pela avaliação de Christopher Kopper, Rudge “sentia-se particularmente comprometido com os órgãos de segurança” por ter sido oficial das Forças Armadas.

“Uma vez que não havia obrigação legal de informar sobre manifestações de opinião da oposição, o chefe da segurança industrial, no monitoramento e na denúncia das atividades da oposição do pessoal, agia em responsabilidade própria e com uma lealdade natural ao governo militar”, diz o relatório. Rudge, ainda durante suas atividades na Volkswagen, que se encerraram em 1991 com a aposentadoria, foi promovido, como reservista, a coronel do Exército Brasileiro.

O historiador da contratado pela Volkswagen aponta ainda que “não é possível determinar, com exatidão, o grau de participação da segurança institucional na descoberta e na prisão de um grupo de comunista ilegal”. No entanto, reconhece que uma atitude “menos cooperativa” poderia ter “ao menos adiado e possivelmente evitado as prisões”.

O relatório cita o depoimento do operário Lúcio Bellentani, atual presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados do Brasil, o qual afirma que, além de a montadora permitir a prisão dele dentro da fábrica em que trabalhava, as práticas de tortura tiveram início dentro da própria unidade. Kopper aponta também a existência de “listas negras” dos empregados considerados politicamente indesejados.

Mudança cultural

As conclusões do relatório destacam ainda, em 1979, o início de “mudanças na cultura empresarial” da Volkswagen, transformando-se em uma “empresa de vanguarda no Brasil nas questões de democracia empresarial”. Kopper cita, por exemplo, a instalação das comissões de fábrica eleitas pelos trabalhadores.

Sobre o oferecimento de apoio material ao Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), órgão de repressão militar, o historiador contratado pela montadora diz que isso não “pôde ser comprovado com indícios inequívocos”. Por outro lado, destaca ser possível que tenha havido “participação financeira indireta” por meio de contribuições à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), inclusive com fornecimento gratuito de veículos.

O documento atesta ainda que a diretoria executiva da VW do Brasil não participou do golpe de 1964, nem ofereceu ajuda aos golpistas. No entanto, a empresa avaliou positivamente a instituição de uma ditadura militar repressiva, “uma vez que contava com uma política mais estável e favorável às empresas”.

Crítica ao relatório

O relatório produzido por Kopper foi entregue com antecedência atendendo a pedido dos sindicalistas que foram vítimas da colaboração da montadora com o regime militar. Lúcio Bellentani, que foi preso e torturado dentro da montadora, relatou à reportagem que fez essa exigência para que pudesse definir se compareceria ao evento. “Eu sempre dizia: nós não vamos a este ato, porque nós não sabemos o que está no relatório”, disse o sindicalista. Segundo ele, a empresa enviou o relatório extraoficialmente no dia 1º de dezembro para o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo.

Um grupo de aproximadamente 20 ex-funcionários perseguidos durante o regime militar recusou o convite de apresentação do documento, ao considerar o relatório insuficiente por não apresentar provas documentais. “Eu acredito, pelo renome do historiador, que, se ele tivesse todas as informações, não teria feito esse tipo de relatório. Não acredito que a Volkswagen abriu todos os arquivos para ele”, avaliou Bellentani.

Bellentani esclarece que tinha a expectativa de que o documento avançasse no estabelecimento de provas, a partir de documentos da própria montadora. “Você não tem sequer a citação de um documento da Volkswagen, o que encontra é o meu depoimento na íntegra, que dei na Comissão da Verdade”, criticou. O sindicalista reclama ainda de uma postura propositiva no sentido de uma reparação por parte da montadora. “Uma atitude digna seria: O nosso relatório está pronto, então vamos começar a conversar e negociar quais as soluções? E oficializa isso, chama MPF, trabalhadores, centrais e façam propostas”, argumentou.

Ministério Público

O procurador Pedro Machado, do Ministério Público Federal (MPF), disse, em entrevista à Agência Brasil, que recebeu o relatório produzido pela empresa e irá juntá-lo ao inquérito. Ele apontou que, em reunião com a empresa, a VW sinalizou a intenção de um acordo, mas não apresentou proposta concreta.

“Sinalizou também que revisou posicionamento sobre o assunto porque, no início, o posicionamento foi de que a empresa não tinha feito nada de errado, que não tinha nenhum problema e que não tinha o que ser investigado. Talvez este relatório chegou a uma posição diferente, então estão revendo a posição, mas não apresentaram nada de concreto com relação a um acordo”, disse.

Machado informou ainda que a investigação está em curso e que espera que o relatório da empresa possa contribuir para a conclusão do inquérito. Ele disse também que novas diligências investigatórias, inclusive com colaboração do Ministério Público da Alemanha, foram solicitadas ao Itamaraty. Segundo Machado, a partir desses dados será avaliada a medida judicial cabível.

Contrapartidas da Volkswagen 

A Volkswagen aproveitou a divulgação do relatório sobre seu envolvimento com a ditadura militar para revelar uma placa em memória das vítimas do regime militar, que foi descerrada nas instalações da fábrica Anchieta, em São Bernardo do Campo. "Esse momento também marca o ponto inicial da cooperação com organizações de promoção social e de direitos humanos. A primeira a ser anunciada pela Volkswagen é a parceria com o Centro Cultural Afro-Brasileiro Francisco Solano Trindade, apoiando um projeto local para crianças e adolescentes promovido pela organização internacional de direitos da criança Terre des Hommes. Demais cooperações estão sendo avaliadas", adiantou a fabricante. 

Com informações da Agência Brasil e assessoria de imprensa da Volkswagen do Brasil  

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