Opinião: limite de valor para a compra com isenção deve ser ampliado?
Atualmente em R$ 70 mil, teto para a compra PcD divide opiniões
Nunca se aguardou tanto o desfecho de uma reunião do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) quanto o do próximo encontro marcado para este mês. Em pauta, um tema polêmico: está na mesa do órgão do Ministério da Economia decidir se deve ou não aumentar o limite, hoje de R$ 70 mil, para que o público de Pessoas com Deficiência (PcD) possa adquirir um automóvel com a isenção integral de impostos.
O assunto dominou grupos na internet que reúnem consumidores que realizam a compra com isenção, mesclando posições bastante polarizadas sobre a questão. É fato que o tema ganhou força nas últimas semanas, em especial como uma decorrência dos fortes impactos econômicos que surgiram no rastro da Covid-19.
A Renault, por exemplo, trabalha para reorganizar sua estrutura produtiva e não conseguirá oferecer até o fim deste ano a versão Life baseada no novo Duster 2021, a qual seria destinada ao público PcD. Outra francesa, no caso a Citroën, também suspendeu neste mês os pedidos para o C4 Cactus em seu catálogo para a compra com isenção, mesma situação vivida há mais tempo pela Chevrolet com o Tracker 1.0 Turbo automático. A Volkswagen, por sua vez, deverá retomar as vendas do T-Cross Sense com um amplo corte em sua lista de itens de série a partir da linha 2021.
Segundo as fabricantes alegam, o aumento nos custos de produção, tais como as recentes altas do dólar entre outros fatores administrativos que surgiram em meio à pandemia, estão tornando cada vez mais difícil a oferta de versões exclusivas de carros maiores, como os SUVs, em catálogos para a compra com isenção.
Para as fabricantes e parte dos clientes PcD que desejam carros mais equipados, uma solução seria aumentar o teto de R$ 70 mil, até mesmo porque ele vigora há uma década e nunca foi reajustado pela inflação ou qualquer outro tipo de parâmetro, argumentam. Mas será que essa é a solução mais eficaz?
Em primeiro lugar, é importante destacarmos que a isenção de tributos como o IPI e o ICMS para os portadores de deficiência tem como papel primordial facilitar e oferecer mais possibilidades de mobilidade a esses cidadãos.
A ideia do governo ao abrir mão de alguns tributos para reduzir o preço dos veículos é tornar a compra desses bens mais acessível, resultando em um grande impacto social na vida e na forma de deslocamento dessas pessoas.
Um ponto relevante para a discussão sobre o aumento ou não do teto atual de R$ 70 mil passa, naturalmente, pelo fato de qual deveria ser esse novo limite.
Podemos traçar um paralelo analisando o Chevrolet Tracker na época de seu lançamento.
Em março deste ano, com o dólar na casa de R$ 5,20, o SUV compacto foi apresentado custando R$ 89.900 em sua versão LT 1.0 Turbo automática. Na mesma época, a Chevrolet disponibilizou o Tracker 1.0 Turbo automático para o público PcD com praticamente o mesmo conteúdo da versão LT. Esse “Tracker PcD”, à época no catálogo R8T, custava exatamente R$ 70 mil. O valor final caia para cerca de R$ 56 mil após os abatimentos tributários.
Pouco tempo depois, o mesmo Tracker LT 1.0 Turbo já alcançou a faixa de R$ 95 mil, sendo que a Chevrolet precisou retirar somente alguns poucos itens de apelo estético do SUV para que sua versão PcD (já no catálogo R8U) ficasse dentro do limite de R$ 70 mil.
Logo, se o teto para a compra com isenção subisse para R$ 90 mil, por exemplo, os clientes PcD não conseguiriam sequer comprar um Tracker LT atual e o catálogo específico para a compra com isenção perderia itens de série da mesma maneira. E o que é pior: o preço final para os clientes PcD certamente seria bem superior aos R$ 56 mil praticados até então, acabando com todo o caráter social que a isenção tributária também se destina.
Indo para um outro exemplo, quem acompanha o segmento de compra com isenção há mais tempo lembra-se que a Renault era capaz de oferecer para o público PcD o Duster em sua geração anterior por R$ 59.990 na configuração Authentique. Com as isenções, o preço caía para impressionantes R$ 46.934,26. É claro que, para isso, o modelo tinha uma série de peculiaridades. Além de ser oferecido apenas na cor branca, o modelo já pedia por uma renovação sobretudo na parte interna e não saía de fábrica com nenhum equipamento extra de conforto ou conectividade. Mesmo assim, ele contava com os controles de tração e estabilidade e o seu conjunto mecânico (1.6 16V e câmbio CVT) já era o mesmo da nova geração do SUV.
É importante destacar que os deficientes que contam com orçamentos maiores e desejam modelos mais caros ou equipados, têm como alternativa optar pela isenção do IPI. Algumas fabricantes, inclusive, acrescentam descontos extras em relação ao imposto citado para estimular a venda de alguns modelos. O Volkswagen Nivus é um bom exemplo. Recém-lançado, o crossover quando adquirido na compra com isenção terá o abatimento de 7% do IPI e receberá um desconto adicional de 10% bancado pela montadora, o que representa um grande abatimento no preço de compra. No caso do Nivus Comfortline, versão de entrada do crossover tabelada em R$ 85.890, o publico PcD pagará nele exatos R$ 72.346. Alguns estados, inclusive, concedem a isenção do IPVA para modelos que ultrapassam R$ 70 mil.
A relação entre os consumidores PcD e as montadoras deve ser avaliada como uma via de mão dupla. Claro que, como qualquer empresa, as fabricantes colocam seus produtos no mercado apenas se auferirem um lucro satisfatório. A grande questão é que hoje em dia os clientes PcD já respondem por quase metade das vendas de carros novos no Brasil e essas marcas também dependem deles para impulsionar suas vendas. É difícil imaginar que, uma vez superados os obstáculos atuais da economia, as montadoras não queiram voltar a oferecer seus SUVs e demais modelos aos clientes que realizam a compra com isenção.
Logo, o limite de R$ 70 mil é uma importante ferramenta para regular, por assim dizer, o preço dos automóveis pensados para atender os clientes PcD. Mantendo os valores mais acessíveis após os descontos tributários, aqueles que assim desejarem podem incrementar seus carros com os equipamentos que julgarem indispensáveis, o que não deixa de ser uma fonte de renda adicional para as concessionárias e as próprias fabricantes, além de fomentar um ecossistema de empresas especializadas em acessórios. Agora só nos resta acompanhar qual será a direção que o Confaz vai adotar nos próximos dias.