Carro brasileiro é um dos mais caros do mundo

Valorização da moeda escancarou diferença paga pelo consumidor brasileiro, mas só o câmbio não explica tamanha distorção

Carro no Brasil: mais caro que país rico ou pobre | Imagem: Divulgação

Acostumado a ver o automóvel como investimento durante anos, o brasileiro começa a descobrir que o produto não passa de mais um bem de consumo como uma geladeira ou uma TV, ou seja, é algo que perde valor com o tempo.

E não foi só isso. Como a inflação não “devolve” mais o que esse consumidor pagou por meses a fio (alguns modelos chegavam a “valer” mais que antes da compra), agora outra constatação passou a ficar clara: o automóvel no Brasil é extremamente caro, provavelmente o mais alto do mundo se contarmos apenas os países com um mercado interno significativo.

O assunto está em alta nas últimas semanas e se tornou polêmico. De um lado, artigos apontando os impostos, a infraestrutura e a mão de obra como culpados, ou, como no caso do jornalista Joel Leite em matéria na revista Autoesporte, o suposto lucro fácil das montadoras. Do outro, os próprios fabricantes cobrando do governo condições melhores para competir com os veículos importados que seriam muito mais baratos de produzir, sobretudo na China.

O dobro do preço mexicano

É fato que o fenômeno não se restringe apenas ao setor automobilístico. Basta ver como chegam os voos de Miami, nos Estados Unidos, abarrotados de produtos bem mais baratos que os vendidos aqui, como mostrou o AUTOO em várias oportunidades. Ou, então, notar como o preço dos restaurantes nas grandes cidades brasileiras já consegue ser superior ao de muitas metrópoles famosas como Nova York, Paris ou Londres.

Mas o que indignou grande parte das pessoas recentemente foi descobrir que mesmo os automóveis produzidos no Brasil acabam se tornando mais baratos quando exportados para outros países. Essa disparidade fica mais evidente quando se comparam os valores cobrados na Argentina e no México, com os quais o Brasil possui acordo que isenta o pagamento de taxas de importação.

O vilão dessa história chama-se City. O sedã da Honda, baseado no compacto Fit, é fabricado no interior de São Paulo e tem status de carro médio por aqui – custa em algumas versões tanto quanto um Jetta ou um Corolla, modelos maiores e mais sofisticados. A versão LX, por exemplo, intermediária, tem preço sugerido de R$ 57.420 na região Sudeste, mas pode ser comprado no México por cerca de R$ 28.800 (214 mil pesos). É nada menos que o dobro do valor cobrado em nosso mercado (veja gráfico abaixo).

A situação fica ainda mais inexplicável quando fazemos o caminho inverso, quer dizer, comparamos os valores de um automóvel mexicano como o Fusion, da Ford. O sedã na versão SEL 2.5 custa no México 334.786 pesos, algo como R$ 51.500. Quando chega aqui, o modelo salta para R$ 83.660. Mais caro, é verdade, mas 62,3% acima do preço mexicano e não 100% como o Honda. Em outras palavras, mesmo tendo um custo de produção inferior ao do Brasil, o carro mexicano chega proporcionalmente mais barato que o City nacional.

Uma das justificativas mais recorrentes da indústria é que o câmbio favorável aos importados permitiu essa distorção. O presidente da Anfavea, a associação das montadoras, Cledorvino Belini, chegou a dizer que “não se deve comparar banana com abacaxi”, para explicar essa questão. Para alguns críticos, se o dólar custasse R$ 3 o automóvel nacional seria barato.

Só ganhamos da Índia

No entanto, se deixarmos de lado o preço absoluto dos veículos e convertermos esses valores para a moeda americana descobrimos de forma amarga que o carro brasileiro é mais caro não só em relação ao México ou a Argentina, mas também se comparado aos Estados Unidos, França ou Alemanha, países cujas moedas valem mais que o real. A regra se aplica também a outros mercados como o chinês, o russo, dois dos famosos BRICs.

Para exemplificar o assunto, escolhemos dois modelos fabricados no Brasil que são vendidos em vários mercados diferentes, o Civic, da Honda, e o Logan, da Renault. O primeiro é o chamado de carro global, e o segundo, um modelo acessível voltado para mercados emergentes. Em ambos, o Brasil é o mercado onde eles são mais caros em dólar e com uma diferença expressiva, sem contar que muitas vezes as versões vendidas aqui têm menos equipamentos ou potência que em outros lugares.

O Civic brasileiro custa o equivalente a 47 mil dólares. Com esse valor, é possível comprar um SUV de luxo nos EUA – o X5 da versão x35i, que aqui sai por R$ 300 mil. Na nossa vizinha Argentina, o mesmo carro custa 27 mil dólares, e na Romênia, país do Leste Europeu com economia modesta, por 19.500 dólares. Já o Logan brasileiro tem preço equivalente a 19.400 dólares, mas na França, cuja moeda vale 2,3 vezes o real, ele sai por apenas 11 mil dólares.

A comparação fica mais dramática quando levamos em conta o PIB per capita desses países. Para quem não sabe, trata-se da divisão do produto interno bruto pela população. O resultado é uma média de quanto cada habitante ganharia por ano. No caso do Brasil, o PIB per capita gira em torno de 10 mil dólares, segundo o site da CIA, fonte consultada pela matéria.

Quando dividimos o valor desses carros pelo PIB per capita simulamos quanto tempo um consumidor levaria para quitar o veículo com todo o seu rendimento. É uma forma de colocar cada país em seu contexto próprio sem as distorções do câmbio.

Nesse cenário, o brasileiro só tem motivo para comemorar perante o indiano. Enquanto nós levamos hipotéticos 22 meses para quitar um Logan o consumidor na Índia precisa de 39 meses de seu rendimento médio para fazer o mesmo. Mas a renda per capita brasileira é mais que o triplo da indiana. Ou seja, proporcionalmente, até lá o carro é mais barato que aqui.

Caixa preta

Desvendar as razões – e certamente são muitas – pelas quais o automóvel no Brasil é tão caro é uma missão difícil. Além da complexa cadeia de impostos que são cobrados em várias fases da produção, há também a falta de transparência dos fabricantes instalados no país. Ao contrário de outros mercados, aqui essas empresas têm capital fechado e seus balanços são mantidos em sigilo, com raras exceções. Quando os dados são divulgados em suas matrizes, geralmente estão inseridos em números das regiões em que as montadoras atuam. Obviamente, lucrar é a missão de qualquer empresa, mas a concorrência também faz parte do capitalismo e isso é algo que o consumidor brasileiro ainda não percebe no bolso.