Os carros baratos que ninguém compra
Marcas criam versões mais baratas de seus carros apenas como chamarizes para vender modelos mais equipados
A conversa ocorreu há pouco mais de dez anos. A Audi havia lançado no Brasil a segunda geração do A3 que passou a ser importada da Europa enquanto o primeiro A3, produzido no Brasil, saía de linha. Na lista de versões constava sempre um A3 1.6 aspirado como o mais barato do modelo da Audi, mas ninguém via ou comprava tal veículo.
Questionado sobre a estranheza, um executivo da marca me disse que a versão era apenas figurativa, para “suavizar” o aumento de preço do A3 importado. Ou seja, a marca não queria vendê-la e o consumidor não queria comprá-la.
A estratégia nunca foi exclusiva da marca alemã. É comum que as montadoras criem um modelo “chamariz”, cujo preço tem o efeito psicológico de fazer o novo produto ser acessível a mais gente. O importante, nesse caso, é que você vá a até a loja, descubra que por mais alguns reais leva coisa melhor e acabe gastando mais.
O problema em si não é ter um custo-benefício melhor, mas sim o fato de que essas versões “baratas” são péssimas opções de negócio. Em muitos modelos não há direção assistida, em outros as rodas são de aço e no caso de veículos mais caros se oferece câmbio manual, opção praticamente ignorada por quem pretende gastar pelo menos R$ 80 mil.
É o caso do HR-V, líder entre os SUVs compactos. O Honda pode ser comprado por R$ 83.100 na versão LX manual, porém, apenas 62 unidades foram emplacadas em agosto ou 1,2% (é isso que você leu) do total vendido pelo modelo. Já os clientes dispostos a desembolsar R$ 110.500 (desde que escolha pintura lisa) pelo “topo de linha” HR-V Touring representam 27% das vendas ou 2.106% mais pessoas que o LX.
Mas não deveria ser o contrário, afinal há mais consumidores com condições de arcar com R$ 83 mil do que mais de R$ 110 mil? Estamos falando de um acréscimo de R$ 27 mil, quase o valor de um Chery QQ, veículo mais barato do Brasil.
É o contrário, sim, mas em outros países como a Alemanha onde um comprador com recursos para comprar um BMW Série 5 acaba levando um Série 1 para casa afinal o hatch atende às suas necessidades – relato que me foi contado por um alemão durante um evento na Europa.
Aqui, no entanto, a oferta de versões pouco atraentes (embora mais acessíveis) ganha o reforço da persistente preocupação do brasileiro com status. Basta que exista uma oferta de crédito capaz de ser parcelada em dezenas de vezes para que muita gente acabe optando por modelos mais caros mesmo que seu custo-benefício não seja assim tão bom.
"Pelado" de série
A essa obsessão temos outro fator que é uma carga tributária altíssima e que beneficia o consumo de veículos com motor 1.0, ignorando se eles são realmente os mais indicados para a maior parte dos compradores. É uma distorção que faz com que carros básicos no exterior como o Corolla sejam vendidos aqui como modelos de luxo.
O problema é que essa política do “carro popular” já não tem efeito no mercado. Se antes carros pelados eram os mais vendidos hoje eles são uma parcela ínfima dos emplacamentos. Pegue –se o exemplo dos compactos Kwid e Mobi. O Renault, que pega carona num design off-road, estreou bem no Brasil e com preços bastante competitivos mas, surpresa, quem vende de fato é a versão intermediária Zen. Ela é R$ 5 mil mais cara que a Life, a “chamariz” da linha, que sai por R$ 32,5 mil mas representa apenas 1% das vendas.
A falta de interessados se explica pela ausência de equipamentos hoje indispensáveis como ar-condicionado, vidros, travas e direção elétricas, entre outros itens. Em outras palavras, o Kwid Life é o carro que ninguém quer.
No caso do Mobi, a versão Easy, com preço de R$ 32,6 mil, é a mais barata da linha, porém, teve somente 507 unidades vendidas. Enquanto isso, o Mobi Like, R$ 6,3 mil, mais caro, emplacou nada menos que 3,3 mil carros ou 6,6 vezes mais.
Por que tão poucos interessados pelo Easy? Simples, ele não traz direção hidráulica, vidros e travas elétricos e nem ar-condicionado sem falar nas rodas aro 13 no lugar de 14 polegadas do Like. Nesse caso é melhor optar por um seminovo bem equipado do que pagar mais de R$ 30 mil por um veículo despojado.
Ao menos no caso do up!, a Volkswagen resolveu não iludir seu consumidores mantendo uma versão sem apelo apenas para dizer que o carrinho custa um valor mais acessível. Na linha 2019, o Take up! deu adeus sem deixar saudades, afinal quem compra o Volks prefere ter na garagem a versão Move com motor turbo TSi mesmo que custe salgados R$ 57 mil.
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