Problemas para pagar o financiamento?

Saiba como renegociar a dívida; para entidade, maioria dos contratos é abusiva

Se inadimplente não puder ficar com o carro, pode incluí-lo na negociação da dívida | Imagem: Getty Images

A inadimplência do crédito referencial com atrasos superiores a 90 dias – em que se incluem as operações de CDC (Crédito Direto ao Consumidor) para veículos - registrou novo recorde em abril, ao bater em 5,8%, segundo nota divulgada pelo Banco Central.

Diante desse sinal amarelo, os bancos e instituições financeiras, ao mesmo tempo em que ficaram mais exigentes para conceder novos financiamentos para automóveis e motocicletas, se viram forçados a ampliar as facilidades para um acordo com quem está em atraso, por conta dos pátios já abarrotados de bens retomados. Assim, para quem prevê dificuldades em continuar em dia com as prestações ou já está em atraso, o caminho é o mesmo: renegociar. Antes, porém, é fundamental reavaliar as receitas pessoais ou da família - os especialistas aconselham que não se comprometa mais do que 15% da renda com o financiamento de veículos – e procurar orientação nos órgãos de defesa do consumidor.

Para Renata Reis, supervisora de assuntos financeiros do Procon (Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor), o ideal é que o cliente evite atrasar as prestações, procurando a instituição financeira para nova negociação assim que perceber que o orçamento está prestes a estourar. “O inadimplente passa a ser considerado um cliente de risco elevado pelos bancos e financeiras, ficando sujeito, assim, a juros mais altos numa eventual renegociação”, justifica. O devedor também tem seu nome incluído nos cadastros dos serviços de proteção ao crédito, impedindo-o de fazer novos empréstimos ou compras parceladas, por exemplo.

Saídas para o sufoco

Segundo Décio Carbonari, presidente da Anef (Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras), as possibilidades de renegociação variam de acordo com a instituição e a situação do consumidor, mas o que normalmente é feito é o reescalonamento das parcelas, ou seja, divide-se o que ainda falta ser pago em um prazo maior, fazendo com que o valor de cada prestação seja reduzido. Entretanto, tal solução é uma faca de dois gumes: se por um lado faz com que as mensalidades voltem a caber no bolso do consumidor e lhe permite continuar com o carro, por outro o valor financiado pode se elevar a até três vezes o do bem original. Vale lembrar que a depreciação do automóvel logo no primeiro ano de uso é de 10%, em média. Trocando em miúdos, ao final do plano, o consumidor poderá ter pagado o equivalente a três modelos zero-quilômetro para ficar com um usado que valerá quase a metade de um novo.

Assim, é recomendável que o consumidor faça uma boa pesquisa entre vários bancos e financeiras sobre as condições que oferecem para o seu caso – o Banco Central autoriza a portabilidade financeira, quer dizer, a transferência do financiamento para uma instituição bancária mais conveniente ao consumidor – antes de decidir se vale a pena continuar com o veículo. Em ambos os casos (reescalonamento ou transferência), a renegociação implicará em outra cobrança de IOF, por ser uma nova operação financeira.

Se o cliente não tiver condições ou interesse em permanecer com o carro, a solução é incluí-lo na negociação da dívida, o que pode ser feito de várias formas. A primeira delas, de acordo com o Procon, é tentar a “devolução amigável do bem”, pela qual o consumidor abre mão do que já foi pago, geralmente, e entrega o veículo ao banco, que o levará a leilão. Mas até que o carro seja vendido, as prestações continuam correndo em nome do comprador. O valor obtido na venda é usado pela instituição para quitar o saldo devedor e todos os débitos do cliente (juros, impostos, multas de trânsito etc.) e administrativos; caso não seja suficiente, a diferença será cobrada do consumidor. “Por isso, é importante registrar a entrega do carro por escrito e ficar atento à data do leilão, consultando a financeira constantemente, além de solicitar uma cópia da nota fiscal de venda”, afirma Renata Reis.

Entretanto, a devolução amigável diverge dos interesses dos bancos e financeiras, que preferem receber o dinheiro que emprestaram de volta. Dessa forma, o representante da Anef sugere que o consumidor tente vender o carro e liquide as parcelas restantes. Outra possibilidade, de acordo com Carbonari, é repassar o financiamento para um terceiro, cujo crédito, porém, terá de ser aprovado pela instituição. Por último, a alternativa seria trocar o carro por um mais barato numa concessionária ou loja particular, buscando, assim, reduzir ou quitar o saldo do financiamento com a diferença entre ambos. 

Contratos e cobranças irregulares

Criada em 2000 para defender os interesses de pessoas físicas e jurídicas junto ao sistema bancário, a ABC (Associação Brasileira do Consumidor) informa que 95% dos contratos de financiamento de veículos possuem algum tipo de cobrança abusiva.  Entre elas estão a inclusão de taxas e tarifas ilegais ao total financiado, como a comissão que a financeira oferece para o lojista, que, disfarçada de “serviços de terceiros” ou “pagamentos autorizados”, pode elevar o valor da prestação em até 20%. Outra distorção são os juros de prestações atrasadas.

Com base nessas informações, qualquer cliente, em dificuldade ou não, pode reivindicar a devolução corrigida dessas quantias, já que o Art. 42 do Código de Defesa do Consumidor determina que todo valor cobrado indevidamente seja devolvido em dobro, com juros e correção monetária. “Em alguns casos, os valores cobrados a maior no contrato são suficientes para quitar as prestações em atraso”, afirma Marcelo Segredo, diretor-presidente da ABC. Ainda segundo ele, as pesquisas nos tribunais demonstram o favorecimento ao consumidor em 90% das solicitações de revisão de cobranças. No portal da ABC é possível fazer uma simulação do valor exato da prestação a ser paga, por meio da “Calculadora do Bem” .

Para sobreviver ao financiamento
Não espere atrasar a prestação para buscar ajuda;

Exija da instituição financeira uma cópia do contrato, se não tiver;

Procure orientação nos órgãos de Defesa do Consumidor;
Pesquise as condições de outros bancos e financeiras; 
Não comprometa mais de 15% do salário com as prestações do veículo;
Se preferir ficar com o carro, analise o custo final do refinanciamento ou da transferência de banco;
Para se livrar da dívida, as opções são a entrega amigável do veículo, a venda ou troca por outro de menor valor, ou o repasse do financiamento para terceiro.