Até quando a potência dos carros será um argumento de vendas?
Números de aceleração ainda são usados como chamariz numa era em que os congestionamentos, poluição e acidentes imperam
Na semana passada, o piloto Sebastian Vettel, da equipe Aston Martin de Fórmula 1, declarou algo que em outros tempos seria motivo de indignação. O alemão defendeu um limite de velocidade para as Autobahns, as famosas rodovias do seu país em que é possível dirigir sem preocupação com multas ou radares.
"Há acidentes na Alemanha que só acontecem porque não temos um limite de velocidade. Se você salvar a vida de apenas uma pessoa, isso é óbvio para mim", afirmou Vettel a Auto Motor und Sport. Ele ainda observou o aspecto ambiental de uma medida como essa ao afirmar seria possível evitar a emissão de quase 2 milhões de toneladas de CO².
Orgulho alemão, as Autobahns andam perdendo defensores como o ADAC, o famoso Automóvel Clube do país e que até então era favorável à liberdade de velocidade nas estradas. Recentemente, a associação se disse não mais totalmente contra um limite.
Essas manifestações surgem em boa hora, quando a indústria automobilística ainda insiste na potência dos carros como argumento de venda. Modelos de nova geração continuam a apresentar números superlativos de 0 a 100 km/h e potência e torque de motores quando na maior parte do tempo dirigimos em baixa velocidade quando não estamos presos em congestionamentos.
Pegue-se o exemplo de uma delas, a Audi, que exalta o fato de o modelo e-tron S Sportback ser "o carro com o maior torque do portfólio da Audi". Mesmo pesando quase 3 toneladas, o automóvel elétrico alemão vai de 0 a 100 km/h em 4,5 segundos, menos tempo que você levou para ler esse parágrafo. Agora imagine a energia criada nessa ação e o impacto que ela geraria num acidente.
É uma desconexão com a realidade e que atinge nós, jornalistas especializados também. Já não deveria mais ser assim. Um bom automóvel é aquele que agride menos o meio ambiente e que evita acidentes. Esses precisam ser os motivos corretos para escolher um modelo e não o quão agressivo esse veículo pode ser nas ruas.
Menos espaço para os carros acelerarem
Há iniciativas positivas nesse sentido como a da Volvo, que afirmou buscar zerar as mortes causadas por seus veículos. É algo promissor, mas não o bastante. A eletrônica de bordo precisa dosar o comportamento violento de motoristas que muitas vezes cometem atrocidades no trânsito por conta de um erro de outra pessoa ou então por efeito de substâncias tóxicas, para citar alguns exemplos.
Infelizmente nossas ruas tornaram-se um ambiente selvagem e degradante e parte da culpa é das fabricantes que ainda vendem a imagem de poder e arrogância em seus modelos. Além disso, o carro tem um efeito deletério no entorno quanto mais damos liberdade ao seu uso em ambientes urbanos.
Basta comparar o ambiente que se desenvolve em torno de vias expressas como a Marginal Tietê em São Paulo e a avenida Brasil, no Rio de Janeiro. Sujeira, barulho e imóveis decadentes, sem contar na sensação de falta de segurança. Um contraste claro com ruas em que a velocidade praticada é baixa e as faixas, mínimas.
No novo cenário de mobilidade que está se desenhando, o automóvel precisará se encontrar para acabar não sendo excluído.
Soa como ironia um site sobre automóveis pregar um uso racional em vez de emocional dos veículos, mas a verdade é que a “era romântica” do transporte individual acabou há muitos anos, por mais que muitos fabricantes ainda mantenham essa chama acesa.
É como Vettel disse: “Qualquer pessoa que pise no acelerador deseja fazê-lo onde for seguro. Nesse caso, seria a pista de corrida. Você pode testar seus limites lá, sem colocar outras pessoas em perigo”.
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