Ricardo Meier

Comenta o mercado de vendas de automóveis e tendências sustentáveis

Fusão entre Fiat, Jeep, Peugeot e Citroën pode ser boa para o consumidor? Melhor não contar com isso

União entre os grupos FCA e PSA deve trazer economia para as montadoras, mas reflexos positivos para seus clientes podem ser mínimos

A confirmação de que os grupos FCA e PSA, donos de marcas como Fiat, Jeep, Peugeot e Citroën, estão negociando uma união em breve já era esperada pelo mercado há algum tempo. O falecido presidente da Fiat, Sergio Marchionne, há muito preconizava que no futuro apenas as montadoras que vendessem muito sobreviveriam e desde então buscava novas associações além da Chrysler, que deu origem a FCA.

Mas enquanto analistas se debruçam em teorias sobre modelos que podem ser compartilhados por elas, marcas com potencial para se expandir para outros mercados ou qualquer outra possibilidade sob o ângulo estritamente industrial, quase não se viu quem olhasse essa futura união pela ótica do consumidor. Talvez porque, como é recorrente na indústria automobilística, o cliente é como o velho ditado do cônjuge traído, o último a saber.

Fusões complexas e grandiosas como essas não surgem com o intuito de aprimorar produtos para oferecê-los por preços menores e mais justos, mas sim ampliar as margens de lucro das marcas. Ao compartilharem componentes, processos e arquiteturas de veículos, elas economizam horrores e aí cabe aos departamentos de produto bolarem um jeito de transformar um mesmo “hambúrguer” com cara de Big Mac ou Whopper sobre rodas. Na essência, o cliente compra a mesmíssima receita.

É claro que associações e parcerias surgem a todo momento e boa parte dá certo, mas vender um produto pensado por outra cultura automobilística é geralmente um tiro no pé. Há incontáveis casos de fracassos na indústria como quando a Ford trocou seu original Ka de primeira geração por um Fiat 500 com roupagem nova na Europa. Deu no que deu.

Mas há exemplos que funcionaram como se vê na dupla britânica Land Rover/Jaguar que compartilha algumas soluções e que se encaixam bem em ambas. Ou na própria FCA que criou uma linha de produtos "híbrida" na plataforma que dá origem ao Renegade e ao Compass, modelos que não são tão Jeep como seus irmãos mais tradicionais, mas que convencem. Da costela do Renegade nasceu a picape Toro, certamente o modelo mais bem sucedido da Fiat no Brasil, mas que venderia mais até se tivesse um logotipo da marca norte-americana.

 

Jeep Wrangler 2020
O falecido Sergio Marchionne foi genial ao escolher a Jeep como marca global, mas pelo jeito não foi suficiente para tornar a FCA lucrativa
Imagem: Divulgação

 

Coadjuvantes no mundo

E o que esperar de uma junção da PSA com a FCA? Difícil dizer. Os dois grupos hoje são meros coadjuvantes no mercado global. A Fiat, por exemplo, sobrevive graças ao Brasil e a Itália, tendo uma participação modesta nos poucos países em que se arrisca. Suas vendas têm caído nos últimos anos – em 2018, ela emplacou apenas 1,5 milhão de veículos leves e nada aponta que essa situação mudará a curto prazo.

As demais marcas do grupo, com exceção da Jeep, também têm um desempenho pífio como a Chrysler ou a Lancia, mantidas vivas por razões que não são claras. É, no entanto, a Jeep a salvadora da pátria graças a uma decisão célebre de Marchionne em transformá-la em marca global devido ao seu apelo. Hoje, ela já vende mais que todos os outros nomes do grupo.

A PSA tem uma situação mais estranha. Fruto de uma fusão que uniu Peugeot e Citroën no passado, duas marcas de personalidades opostas, a empresa tem buscado seguir essa estratégia de pasteurização de produtos, fazendo com que uma mesma plataforma dê origem a carros para públicos bastante diferentes. Seus números de vendas só não são piores porque o grupo assumiu a combalida Opel das mãos da GM, que nunca soube explorar seu potencial.

Bastou um pouco de gestão para que a marca alemã voltasse ao azul, mas desde então a PSA tem empregado a mesma solução para ela, criar versões de seus carros franceses com visual da Opel e da Vauxhall, seu braço britânico. Hoje carros como os SUVs Crossland (um 2008), Grandland (3008) e novo Corsa (208) lideram suas vendas enquanto velhos produtos do tempo da GM vão saindo de cena.

O resultado do primeiro semestre, no entanto, é negativo. O grupo PSA como um todo emplacou 1,9 milhão veículos no mundo, queda de 12,8% em relação ao mesmo período de 2018. Já o efeito Opel pode não durar para sempre, assim que seus clientes tradicionais se tocarem que estão comprando um produto francês travestido de alemão.

 

Opel Corsa 2020
A nova geração do Opel Corsa: se você acha que é um carro alemão, esqueça. Trata-se de um francês 208 na essência
Imagem:

 

Sozinhas e felizes

O que isso quer dizer então? Significa que os dois grupos não têm força suficiente para enfrentar montadoras mais bem estruturadas e globais como as japonesas Toyota e Honda, a Volkswagen e a Hyundai, por exemplo.

Essas empresas – e também as premium alemãs Mercedes e BMW – conseguem algo que FCA e PSA não chegam nem perto de atingir, possuir um portfólio realmente global, capaz de diluir o desenvolvimento de produtos mais avançados e encontrar clientes em qualquer lugar do mundo. Essa escala de produção é o "Santo Graal" de qualquer multinacional, especialmente no complicado mercado automobilístico e suas variáveis regionais imprevísiveis.

Só que isso não se conquista apenas compartilhando fábricas e plataformas e sim com um trabalho de longo prazo que torna seus produtos confiáveis e desejados. Pode-se discutir se a nova geração do Corolla é atraente ou não ou se faltou algum item, mas isso não impede que o automóvel venda bem.

Nesse aspecto, os dois grupos não têm muito do que se orgulhar. A imagem das marcas Peugeot e Citroën é muito ruim, a despeito do esforço de anos em reverter erros do passado. Já a Fiat, com poucas exceções, tem focado seus produtos nas vendas diretas e corporativas que acabam depreciados no mercado de usados. Tanto a FCA quanto a PSA também flertam com um vício perigoso, o de "emprestar" carros de outras marcas e apenas trocar seus emblemas, quando muito aplicar alguns elementos estéticos para fazê-los parecer com modelos autênticos. É o tipo de estratégia desesperada que só desprestigia seus produtos (veja na galeria alguns casos emblemáticos).

Ou seja, a necessidade de se associar a outras culturas (que por sua vez também fazem parte de grupos que no passado uniram conceitos diferentes) é um claro sintoma de que algo não está funcionando como deveria. Talvez fosse mais produtivo entender porque boa parte dessas marcas não consegue atrair novos compradores antes de proporem outro casamento.

As maiores montadoras do mundo em 2018

Separadas, FCA e PSA têm um papel coadjuvante na indústria automobolística

Statista

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