Em três anos, marcas tradicionais perderam 7% do mercado

Fiat, Volks, GM e Ford ainda detêm 70% das vendas, mas participação deve continuar a cair nos próximos anos

Importados como o QQ começam a incomodar as marcas tradicionais | Imagem: divulgação

O mercado automobilístico brasileiro vive um paradoxo. Nunca tantas marcas de automóveis atuaram aqui – hoje são mais de 45 opções que devem saltar para 50 empresas até o final do ano -, mas a participação das chamadas montadoras tradicionais (Fiat, Volks, GM e Ford) ainda é massiva: de cada dez veículos vendidos em julho nada menos que sete exibiam o emblema das quatro fabricantes.

Mas o cenário começa a mudar. Três anos atrás, a participação das quatro marcas era de cerca de 77,6%. A virada teve início em 2010 quando as coreanas e chinesas passaram a atuar com mais força por aqui. E a queda foi acentuada este ano: de 75% em julho de 2010, o percentual dessas marcas caiu para 70,7% no mês passado (veja gráfico abaixo).

Essa concentração sempre foi considerada uma exceção mundial, segundo especialistas. Em mercados competitivos não existe um predomínio tão amplo de tão poucos fabricantes como existe no Brasil. Para se ter uma ideia, nos Estados Unidos, sede de duas das maiores montadoras do mundo, as quatro montadoras mais vendidas acumulam pouco mais de 60% das vendas. A GM, líder em vendas, detém apenas 19% do total enquanto aqui ela é 3ª colocada com 17,9% de participação.

Populares são a chave para o crescimento

Sem montadoras genuinamente nacionais, o Brasil deveria ser um território neutro, mas o período em que as montadoras mais antigas passaram sem concorrência reforçou a impressão no consumidor que se tratam de empresas brasileiras. Fatores como robustez, preço de revenda e assistência técnica acabam inibindo uma migração natural para marcas mais novas.

Outro fator fundamental é que para ser grande em nosso país é preciso vender carros populares nacionais, com motor 1.0 e preço abaixo de R$ 30 mil. Além das já citadas montadoras tradicionais, apenas a Renault tem produtos assim. “Sem uma rede numerosa é impossível ultrapassar os 3% de ‘share’ no Brasil”, explicou Sergio Habib, presidente da JAC Motors, em uma recente apresentação. Nesse quesito, apenas Fiat, VW, GM e Ford possuem mais de 500 pontos de venda. Depois delas vem a Hyundai com distantes 192 concessionárias.

Câmbio favorável

Por essas razões, a perda dos sete pontos percentuais é significativa. Ela veio em menor parte pelo avanço das chamadas new comers, montadoras que se instalaram no Brasil em meados da década de 1990 (Renault, Peugeot, Citroën, Honda, Toyota e Nissan, entre outras), que saíram de 20,7% para 22,4% de participação. Os responsáveis por tirar um naco das vendas das grandes fabricantes foram mesmo as marcas importadoras.

De uma insignificante parcela de 1,7% em 2008, os importadores possuem hoje quase 7% do mercado brasileiro. Vale ressaltar que a participação dos modelos importados é muito maior já que as montadoras com fábrica no Brasil são as que mais trazem carros do exterior.

Com o real valorizado, nem mesmo a salgada taxa de importação de 35% foi capaz de tirar competitividade dos veículos importados. A ironia é que cinco montadoras estrangeiras sozinhas instaladas do outro lado do mundo abocanharam juntas quase 5% do mercado: a coreana Kia e as chinesas JAC, Chery, Hafei e Effa fizeram o que Peugeot, Citroën, Toyota e Honda não conseguiram em anos de Brasil. Não por acaso, três delas anunciaram a construção de fábricas em nosso país.

Renda mais alta

Mas não foram apenas os modelos baratos da China que encontraram um consumidor ávido por novidades. O brasileiro virou queridinho das marcas premium graças ao aumento das classes A e B nos últimos anos.

Várias marcas que ignoravam nosso país, como Mini, Smart, Lamborghini e Bentley abriram lojas no país e já planejam ampliar suas redes. Só entre as marcas genuinamente premium e sem contar modelos topo de linha de montadoras mais genéricas, a participação dobrou de 2008 para cá. Era de 0,9% há três anos e em julho passado chegou a 1,8%.

É um avanço e tanto se observado que o preço desses veículos sofisticados é muito maior no Brasil que em países desenvolvidos, seja numa simples conversão ou se equiparado ao poder de compra do brasileiro mais abastado. E mostra que há um enorme espaço para crescer até chegarmos a níveis mais semelhantes ao de outras nações – nos Estados Unidos, essas marcas têm presença quase quatro vezes maior que aqui.

Mais populares

Por mais que as marcas tradicionais invistam em novos modelos, existe um consenso que é impossível para elas manter a atual presença no mercado brasileiro: “elas vão lutar para aumentar as vendas apenas, mas vão cair por uma questão aritmética”, previu Habib. O executivo tem razão, ainda mais quando se sabe que o segmento onde elas mais dominam está prestes a ser invadido por novas marcas com produtos atraentes.

A Nissan será a primeira a testar sua presença entre os carros populares, com o March, um hatch compacto que será lançado em outubro. Em 2012 chegará ao mercado o Hyundai HB, inédito modelo que a marca coreana fabricará no interior de São Paulo. Pouco depois será a vez da Toyota estrear o Etios, nas versões hatch e sedã. E ainda teremos os populares das chinesas Chery em 2013 e JAC em 2014.

As francesas também prometem reagir: a Renault prepara uma versão revisada do Clio e a Peugeot fala num subcompacto nacional barato para daqui a três anos. Como se vê, o consumidor brasileiro tem motivos para comemorar essa diversidade de opções, só falta mesmo pagar menos por um automóvel, como fazem americanos, argentinos, mexicanos, alemães, japoneses e chineses.