Ricardo Meier

Comenta o mercado de vendas de automóveis e tendências sustentáveis

Mustang Mach-E e Cybertruck: o design automobilístico passou os limites do bom senso?

Futuristas, dois modelos flertam com propulsão elétrica e tração integral, mas rompem com qualquer tradição em seus segmentos

Não é fácil interpretar os desejos do consumidor de carros. Quantas vezes marcas tentaram criar modelos atraentes e deram com os burros n´água? Agora, imagine arriscar-se em território desconhecido, mas é o que as montadoras andam fazendo em busca de criar algo inusitado e que se transforme numa nova referência de estilo no mercado mundial.

A Mercedes-Benz ousou criar algo impossível, o cupê de quatro portas. Seu pioneiro CLS conseguia a proeza de ser um belo carro, mas com a adição de portas no banco de trás. Parecia um ultraje, mas deu certo e até o sedan mais comportado hoje brinca com a ideia de ter um perfil mais suave no teto.

A BMW, por sua vez, foi além e colocou o mesmo conceito em um SUV, o X6. Como assim um utilitário esportivo com a carroceria curva? Pois não é que a ideia se espalhou por outras marcas e na própria marca alemã?

Ainda assim existe o limite do bom senso e ele anda sendo testado pela Ford e também pela Tesla. As duas montadoras norte-americanas resolveram apresentar duas novidades no Salão de Los Angeles na semana passada e certamente elas conseguiram algo em comum, chamar a atenção.

A tradicional marca fundada por Henry Ford saiu na frente com o já aguardado “Mustang SUV”, na verdade um crossover elétrico batizado de Mach-E. O estilo não chega a surpreender já que tem sido a nova fronteira no segmento de utilitários esportivos para muitas marcas, mas ao escolher o icônico Mustang para representar essa nova linha de carros a Ford deu um tiro no escuro.

Mais famoso “pony car” da história, o Mustang é um patrimônio da Ford. É produzido de forma ininterrupta desde 1965 mesmo com algumas gerações pavorosas pelo caminho. Até hoje vende bem nos EUA – até setembro foram 55 mil unidades, embora em queda em relação a 2018.

Ou seja, mexer com tamanha tradição é um risco enorme em desagradar fãs de carteirinha afinal o Mustang vende a imagem de um carro esportivo equipado com motores V6 ou V8 (embora um quatro cilindros também figure no portfólio recente). Já o Mach-E é além de tudo um elétrico.

Seu design pouco remete ao Mustang na prática, restando à Ford imprimir a logomarca do cavalo onde pode. Se o Mach-E vai conseguir herdar o sobrenome famoso ainda não se pode afirmar, mas talvez a montadora acerte na mosca. Não são poucos os casos de modelos que quebraram tradições e por isso sobreviveram. A Porsche recebeu saraivada de críticas pelo Cayenne no início dos anos 2000 e hoje depende muito mais dele e do irmão menor Macan do que seus modelos mais tradicionais. Em outras palavras, os SUVs trouxeram um público novo à marca alemã, o que talvez ocorra com o Mach-E.

 

O Mustang GT350 de 1965: o Mach-E não tem nada a ver com o icônico pony car
O Mustang GT350 de 1965: o Mach-E não tem nada a ver com o icônico pony car
Imagem: Divulgação

 

Desenho animado na cabeça

Se a Ford ainda merece o benefício da dúvida, Elon Musk, ao contrário, pode virar motivo de piada com sua picape Cybertruck. O sul-africano que é considerado por muitos o sucessor do falecido Steve Jobs como mente criativa mais brilhante da atualidade abusou da paciência do público e dos acionistas com o novo veículo da Tesla, sua marca de veículos elétricos.

Com formas triangulares e carroceria em aço reforçado, a Cybertruck parece saída de um desenho infantil. Com muito dinheiro na conta bancária (ainda), Musk é afeito a vender ideias mirabolantes, algumas bastante curiosas como o Hyperloop, uma espécie de trem que circula em um tubo por compressão ou como no seu programa espacial Space X que tem avançado de forma bem mais veloz que os projetos da NASA.

Mas o Cybertruck, assim como o foguete Starship, que ele afirma, levará o ser humano até Marte, beiram a infantilidade em matéria de design. A nave espacial de Elon Musk lembra aqueles foguetes que víamos em desenhos animados com seu revestimento prateado e pequenas aletas de controle.

E o que dizer da picape? Talvez ela sirva como veículo lunar ou marciano, mas na Terra o novo modelo da Tesla, que será lançado em 2021 e não custa barato, andar por aí pode ser motivo de chacotas e não de admiração. Por falar nisso, a reação do mercado à assustadora Cybertruck foi das piores possíveis, com queda nas ações da montadora da ordem de 770 milhões de doláres - e o vexame dos vidros quebrados do modelo blindado não foi a única causa.

 

No alto, o caça F-117 Nighthawk: o jato militar tinha motivo para ter uma aparência tão incomum (ser invisível aos radares), já a picape da Tesla, não
No alto, o caça F-117 Nighthawk: o jato militar tinha motivo para ter uma aparência tão incomum (ser invisível aos radares), já a picape da Tesla, não
Imagem: Divulgação

 

Desenho e forma

Ao contrário de Elon Musk, o fundador da Apple era obcecado com o design e com a beleza de seus produtos. Mas quase nunca deixou a funcionalidade em segundo plano. Para o americano, seus gadgets e softwares tinham que ser manuseados facilmente por crianças. O sul-africano parece pensar que o design e funcionalidade são aspectos secundários desde que seus engenheiros e projetistas transformem em realidades suas “viagens”.

Não, a Cybertruck não é nem bonita e atraente muito menos parece prática. Com seis lugares e um manche no lugar do volante, caçamba com cobertura corrida e para-lamas com apêndices, ela lembra o primeiro avião invisível aos radares, o F-117 Blackbird. Mas nesse caso, tratava-se de uma necessidade técnica para refletir ondas de radares e passar despercebido pelas defesas inimigas.

Já a picape da Tesla poderia fazer uso de outra inspiração da ficção cientifíca, o dispositivo “cloaking device" usado pelas naves Klingon, de Star Trek, que a camuflavam em situações de batalhas. Só assim para seus futuros ocupantes passarem despercebidos sem dar vexame.

 

Elon Musk (esquerda) parece não entender a importância de forma e função como fazia Steve Jobs na Apple
Elon Musk (esquerda) parece não entender a importância de forma e função como fazia Steve Jobs na Apple
Imagem: Steve Jurvetson e Matthew Yohe

 

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